terça-feira, 27 de março de 2007

Elle pleure

A dor passa. Mas a solidão gruda, consome, afasta.
O que pode ser mais triste?

Cheguei à conclusão de que nada pode ser mais triste do que a solidão.
Prefiro passar o resto da vida limpando cocô de chimpanzé no zoológico do Uzbequistão com as pessoas que amo, do que multimilionária em Paris [tá bom, em Paris é um caso a se pensar mais seriamente ... rs].

Poucas coisas me parecem um retrato mais nítido de solidão do que pessoas que choram na rua.
Uma vez por ano, mais ou menos, eu as vejo: estou andando pela calçada, com a cabeça na lua, e meus olhos encontram, sem querer, um rosto que se aproxima.
Os pensamentos voltam do espaço, rápidos como asteróides, atravessam o cérebro e vão parar na garganta, entalados.

Geralmente são mulheres e raramente uma delas me vê - seus olhos, na verdade, não estão voltados para fora, mas sim para dentro, para algum lugar muito dolorido de onde saem aquelas lágrimas.

Por que chora ? - é a primeira coisa que penso.
Por que chora sozinha? - é a segunda.
Terá recebido uma notícia no celular, no meio da rua? Alguém morreu? Pode ter sido demitida de um emprego que gostasse ou precisasse muito? Ou foi esculachada pelo chefe na frente de todo mundo? Quem sabe está vindo da casa do namorado, onde acabou de levar um pé na bunda?

Seja qual for a causa, como não ligou imediatamente para um amigo, um parente, alguém que pudesse largar tudo só para que lhe desse colo, ou um ombro para apoiar aquele pranto?
A razão não me importa tanto, pois não é o sofrimento que me aperta o coração, é o desamparo, a dor solta que nem pipa sem linha; sem abraço, sem uma voz que diga baixinho que vai passar, que o tempo apazigua, que também não é tão grave assim, que tudo se resolve, que venha aqui que vou te fazer um cafuné e depois a gente pensa nisso e agora é só esperar, minha querida...
[É bom ouvir essas coisas, por mais que se tenha a certeza de que o caos só está começando, que a visão seja a mais pessimista do mundo; o conforto de um abraço é algo inexplicável].

Geralmente são só alguns segundos e a menina já ficou pra trás, deixando em minha cabeça todas essas dúvidas e um aperto, que da garganta já escorreu pro coração.
Eu poderia chegar diante dela e dizer: "Olha, eu não te conheço mas vem cá, eu te pago um café, um sorvete, te dou um livro do Drummond, um cd do vinícius, conversamos, mas não fique assim... Quer que eu te leve para outro lugar, onde você tenha alguém para chorar junto? Ou quer ficar aí mesmo e eu busco um amiga, sua mãe, a irmã?"

Claro, nunca fiz nada disso.
Pensava que era por respeito à garota, por não querer ser invasiva, mas desconfio que não seja isso.
Tenho medo que ela se esquive, que me olhe com agressividade e, no reflexo de seus olhos, eu perceba: por mais que eu quisesse, não poderia aproximar-me. Somos duas desconhecidas, numa cidade de milhões de desconhecidos, num mundo de seis bilhões de desconhecidos.
E por mais que eu tenha amigos, parentes e muita gente que me ame, eu perceberia, tentando ajudar aquela garota que chora, que no fundo, no fundo, estamos todos sós.

Nada é mais triste que a solidão. Nem limpar cocô de chimpanzé no zoológico do Uzbequistão. Não mesmo.

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