sexta-feira, 27 de abril de 2007

Algumas horas na Supervia

Ontem eu andei de trem.
Já perdi a conta de quantas vezes mais fiz isso. Só que dessa vez oi diferente... eu andei de trem com o coração [se é que isso existe ou se é que é possível]. Mas acho que foi bem assim mesmo.

Eu olhava para as pessoas e via vida, histórias em cada uma delas.
Caras sorridentes; olhos tristes; semblantes vazios; olhos fechados num sono embalado pelo cansaço e pelo balanço da condução; angústia; alegria; preocupações; novidades; diversas sensações coexistindo naquele mesmo vagão.
A cada pessoa que entrava eu criava novas histórias e uma vasta gama de possibilidades para cada uma delas.
Minha imaginação voava longe, liberta de qualquer amarra.

Mas em meio a picolés, amendoins, buraco “à vera”, bananadas e todos e quaisquer produtos que vinham sendo oferecidos pela infinidade de ambulantes, minha atenção prendeu-se à 4 personagens de minha própria história no trem.
São eles: um cara sem camisa e de bermuda preta, que apresentava deficiência mental [leve para moderada – ouso dizer, em minha humilde ignorância]; a mulher que conversava com ele; uma jovem negra-obesa-evangélica e um ambulante idoso.
Para cada um dos 4 eu criei minha própria versão da vida deles; apenas dos 2 primeiros eu pude constatar fragmentos; os outros 2 eu brevemente esquecerei, pois vou me cansar de torturar-me com todas as possibilidades de vida que cria para cada um.

Bom, o cara com problemas mentais conversava com essa mulher, que usava uma blusa rosa desbotada e carregava um daqueles sacos-de-lixo pretos enorme, contendo um grande volume. Eles vinham em pé, parados à porta que se encontrava em minha frente.
Eles conversavam animadamente.
Ela, com uma cara de pisteira braba, uma voz irritante e a demonstração verbal de seu pouco estudo.
Ele, apenas mais um “louco”, que eu juro que é aviãozinho. Ele tem cara de ser querido na comunidade, amigo do dono da boca. O verdadeiro “maluco beleza”. Sempre com um sorriso no rosto, que ignora as maldades do mundo devido a sua doença.
Ela, mesmo aparentando ser apenas mais uma puta rampeira, era a única que dava confiança para ele.

Posteriormente descubro que ele estava com a “esposa” e a filhinha naquele mesmo vagão. Para essa última ele olhava com tanto amor, o carinho e o cuidado dispensados com aquela criança eram nítidos em seus olhos.
Fiquei emocionada.
Admito que nunca pensei que com o binômio miséria e demência não esperava me deparar com tanto amor, ainda mais visíveis assim. Era amor com alma.
E ela era a “olheira” do jogo de buraco, estava sendo paga por um negão com cara de malandro para olhar as cartas dos seus adversários.
Óbvio que o negão ganhou o jogo ela, tendo desempenhado seu trabalho com maestria, foi devidamente remunerada.
Possivelmente eu nunca mais vá os ver, mas algo deles [do Eu existente, do Eu real] pude perceber.
Mas não me cabe julgar nenhum dos dois.

E quanto aos outros 2; a jovem: eu me detive em observá-la após notar que seus olhos estavam em mim e que nossos olhares constantemente se cruzavam.
Somos opostos, porém formamos uma mesma moeda, que é a humanidade.

Me interessei em criar uma história para ela por acreditar que nossas vidas são completamente distintas: negra – branca / obesa – “normal” / evangélica – liberta de religiões / repressão – liberdade /...
Poderia enumerar diversas diferenças, mas o que importa é que sei que despertei nela a mesma sensação.
Acho que ela se idealizou e era a minha imagem que queria ver refletida ao se olhar no espelho. Não agirei com hipocrisia dizendo que gostaria da mesma coisa, mesmo com todas minhas loucuras, continuo me preferindo. E tenho certeza que ela também se preferiria se fosse além da minha aparência.
Minhas aflições em troca de um cabelo liso? Não, não vale mesmo. E ela concordaria comigo.
Aposto que ao desembarcar na estação de Saníssimo e seguir para sua casa, ela ia revoltada com a vida e com Deus [mesmo sendo uma religiosa obrigada] por não ter o mesmo biótipo da branquela.
Esses moldes sociais realmente deturpam a mente do ser humano.
Mas eu nunca saberei se minhas divagações são reais.

Quanto ao ambulante idoso: nem havia reparado em sua presença, quando ele surgiu eu me deliciava com um picolé Moleka de graviola, que custa apenas R$ 0,50 e é realmente a “fruta no palito” como me anunciou o ambulante que me vendeu [acabei descobrindo que a fábrica de tão magnífico picolé localiza-se em Nilópolis e sinto-me tentada a ir até lá adquirir alguns exemplares de graviola para o freezer de minha casa].
Só me dei conta da presença do senhorzinho após meu irmão me perguntar se eu não desejava algumas balas. Ao receber uma resposta negativa ele me inquiriu se eu não me sentia penalizada por aquele velhinho ter de estar vendendo balas no trem.
Eu respondi afirmativamente. Mas quase que instantaneamente comecei a me perguntar os motivos daquele senhor encontrar-se em tão desprivilegiada situação.

Comecei a indagar-me a respeito de sua vida passada, de como havia sido sua infância e juventude, se possuiu uma família estruturada que tenha se importado com seu desenvolvimento sócio-intelectual, com suas companhias, as havia tido a oportunidade de estudar e mais uma série de perguntas pertinentes ao tema.
Após explorar todas as possibilidades um dos meus Eu’s continuou penalizado, pois aquele homem pode ter sido massacrado pela vida, sofrendo a falta de oportunidades e a má sorte do mundo. Mesmo tendo se esforçado exaustivamente, ainda hoje é obrigado a levantar cedo e trabalhar naquele vai-e-vem / entra-e-sai pelos vagões, na tentativa de garantir seu precário sustento.
Mas um outro de meus Eu’s encarou aquela situação como uma conseqüência normal na vida de alguém que durante seu percurso no mundo não se preocupou com seu futuro, tratando de aproveitar cada segundo de sua juventude desperdiçando-a na esbórnia de uma vida boêmia.

Longe de mim condenar a diversão; sou completamente a favor da cervejinha com os amigos, da feijoada de domingo [em boa companhia e regada à caipirinhas] e tantos outros prazeres que a vida nos oferece.
Mas acho que tudo de ver ser dosado, respeitando as horas para exercer cada uma dessas atividades. Tudo em demasia é prejudicial.
Ele pode ter priorizado sua vida social e hoje, nada mais natural, do que em avançada idade ter que desempenhar a árdua tarefa.
É, mais uma vez não saberei a verdade que há por trás daquele rosto que se apresentou a mim tão triste e cansado de sua rotina.

Ninguém pode me dar a verdadeira resposta, a não ser cada uma dessas 4 pessoas. Mas creio que não terei essa oportunidade, pois mesmo que a vida nos coloque novamente no mesmo vagão, não terei coragem de perguntar a versão verídica de suas vidas.

Apenas sei que passarei a andar mais de trem, talvez uma vez por semana, para sempre me lembrar de como é e, de como pode ser o mundo.Sem me esquecer que no fim, a sua constituição depende unicamente de nós, do rumo que damos a nossa própria vida, pois inevitavelmente é nosso comportamento e nossas escolhas no hoje que refletirão em nosso amanhã.
E não pensar no futuro é irreal se você não possui idéias suicidas...



4 comentários:

Anônimo disse...

Humm meu deus tu escreve oO"
ashausha mas ta legal..
o/ trem é legal.. aqui em porto alegre tem uns legais o/
maria fumaça =D ashaushsua..
bom bjox..
otimo blog

Anônimo disse...

ahhh deve ser muito bom morar no Rio tbm! sempre quis conhecer! Beijos!

Diego Moretto disse...

Legal essa sua declaração sobre onde mora....me deixou curioso...post enorme, mas interessante, hehehehe. Bjux!

Fábio W. disse...

tava a fim de escrever hein??? Eu que não tava a fim de ler, mas li pedaços importantes... Sabe que fico locubrando sobre a vida dos desconhecidos que vejo tb? Alguma coisa em comum. Tchau.