terça-feira, 8 de maio de 2007

A tristeza tem um papel importante em nossa vida

Por que todos os contos de fada terminam com "...e viveram felizes para sempre.", mas sem nunca contar como foi exatamente essa parte da história?
Porque seria, tenho certza, mais inverossímil do que carruagem virando abóbora ou príncipe fazendo rapel nas tranças da moçoila: ninguém, nem nos contos de fada, é feliz para sempre.
E nem poderia ser.

Num de seus livros, Freud cita uma frase de Goethe: "Nada é mais difícil de suportar que uma sucessão de dias belos", e depois comenta: "Mas isso pode ser um exagero."
É um exagero, penso eu, já metendo o bedelho, humildemente, na discussão dos dois grande pensadores.
Muito pior que uma sucessão de dias belos é uma sucessão de dias feios. Ou uma sucessão de chicotadas, de boladas na boca do estômago, de chifres do namorado.
Mas o que Goethe quis dizer e Freud ressaltar, imagio, é que a felicidade, se for seguida de felicidade sempre, perde a graça. Por isso os dias feios, as chicotadas, as boladas e os chifres do namorado são importantes: sem o contraste com os momentos de sofrimento, somos incapazes de ter momentos felizes.

Mais ainda, acredito que só é capaz de viver a felicidade quem está aberto para a tristeza.
É como se a emoção fosse um aparelho de som que tem volume, mas não equalização. Se a gente aumenta os graves, aumentam os agudos junto.
Se formos nos fechando, nos protegendo da dor, das crises, do desconhecido, a gente se machuca menos, mas também vive as partes boas com menos intensidade. Além disso, sofrer é fundamental para crescermos e vermos o verdadeiro tamanho das coisas.
Vinícius de Moraes escreveu um samba que diz assim:

♫♫ É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração

Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza (...)
Senão, não se faz um samba não.♫♫

Somos bombardeados com a ilusão de sermos felizes para sempre, ou, dito de uma outra forma, sempre felizes. Seja nas propagandas de margarina, nas revistas de celebridades ou naqueles adesivos tipo "Você já sorriu hoje?", há uma idéia de que a melhor vida é a de quem está sempre com um sorriso de orelha a oelha.
Bobagem.
Sofrer não só é inevitável como é fundamental. É nas crises que a gente muda, descobre onde aperta o sapato e inventa novos caminhos na vida.
Quem sorri o tempo todo ou está usando uma dentadura três números maior que a boca, ou nunca parou para pensar na vida.
Sofrer, pensar, chorar e mudar dá trabalho, mas é o preço da nossa autonomia.

P.S.: alguns anos atrás o Mc Donald's usou a música do Vinícius em um de seus comerciais. Curiosamente, omitiu a segunda estrofe.
Por que será?

4 comentários:

malfardado disse...

Sua linha de raciocinio me lembrou muito um grande escritor do qual e dificil encontrar suas obras, Gustavo Corção que diz o seguinte em Liçoes de Abismo "De que me adianta ganhar o universo, se estou perdido em mim mesmo". Assim como o livro, achei seu texto excelente.

Fabio Oliveira disse...

A tristeza tem um papel importante sim na nossa vida. Muito mais nas pessoas que escrevem e precisam de todo tipo de emoção para colocar no papel. Precisamos de uma sintonia triste e alegre, pois assim faremos um julgamento da vida e seus diversos estágios. Adorei o que vc escreveu, bateu de frente comigo hj.
Parabéns.

Anônimo disse...

Isso:

"Mais ainda, acredito que só é capaz de viver a felicidade quem está aberto para a tristeza."

é perfeito, acredito nisso também, de forma concreta.

Quando você sobre nos fecharmos aos sentimentos ruins, é perigoso, pode ser que o dispositivo sentimental seja danificado, sofra sequelas e se torne uma pedra. Os sentimentos não podem ser consertados como coisas, se quebram, acabam.

(erick http://nobodym.zip.net)

Fábio W. disse...

Embora eu tenha abandonado a religião há muito tempo, me persegue uma frase que li numa coletânea de sermões: "Aqui a gente tem uma missão a cumprir, uma luta a travar. Lá em cima teremos toda a eternidade para sermos felizes." Não sei dizer qto à eternidade, mas aqui se mata um leão por dia e ninguém foge disso, como dizia Raul: "é de batalhas que se vive a vida" Então, o jeito é mostrar a presas e encarar de frente! Belo post!